Indústria calçadista brasileira avança na utilização de materiais alternativos

Por Jonathan da Silva

Considerado dono da maior indústria de calçados do ocidente, o Brasil produz mais de 865 milhões de pares anualmente. Para 2024, a estimativa da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) é de um avanço produtivo entre 0,9% e 2,2%, perspectiva ancorada no mercado interno. Neste contexto de crescimento, também tem avançado a utilização dos chamados materiais alternativos, que são tanto reciclados ou de reuso quanto biomateriais, como insumos provenientes da natureza e biodegradáveis.

O presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, destaca que, atualmente, seis a cada dez produtoras de calçados possuem ao menos uma linha de produtos sustentáveis. “Embora ainda exista certa dificuldade na questão de escala, o que muitas vezes torna produtos desenvolvidos com materiais alternativos mais custosos para o consumidor, existe um movimento na sociedade que não pode ser ignorado e que, logo mais, irá tornar esses produtos escaláveis e mais competitivos”, projeta o dirigente.

Plugt: demanda internacional

Uma das empresas que utiliza material alternativo na composição do seu calçado é a Plugt, indústria de produtos infantis de Birigui-SP. A calçadista, fundada em 2001, desde sua concepção destaca a preocupação com a sustentabilidade dos seus produtos, que não utilizam materiais pesados nem ftalatos na sua composição. Há cerca de sete anos, a empresa avançou ainda mais. Em uma parceria com uma marca austríaca, a Plugt passou a produzir calçados para adultos no modelo private label com fibra de coco e bambu. “Notando um interesse crescente no mercado, passamos a utilizar o material também na produção da marca Plugt, o que foi um sucesso”, conta o diretor da empresa, Renato Ramires.

Atualmente, segundo Ramires, cerca de 20% da produção diária de 1,2 mil pares é desenvolvida com uma mistura de fibras de coco e bambu com PVC. Segundo ele, existe uma demanda cada vez maior por materiais alternativos, principalmente no mercado internacional, para onde a empresa envia entre 20% e 30% de sua produção. “Aqui no mercado interno esse movimento é mais fraco, mas também vem crescendo, o que nos permite almejar um aumento da utilização das fibras nas nossas linhas”, projeta o empresário. Além das fibras, a Plugt vem estudando o desenvolvimento de calçados com cortiça reaproveitada e o chamado “EVA verde”, produzido a partir da cana-de-açúcar.

Alme: referência em práticas sustentáveis

A Alme, marca feminina que integra o grupo Azzas 2154 (antigo Arezzo&Co), entrou no mercado em 2018 e, em 2021, passou por um reposicionamento, adotando como propósito ser a marca referência em práticas sustentáveis aplicadas ao produto. “Criamos os calçados com o menor impacto possível para o meio ambiente e máximo de conforto para os pés. Combinamos informação de moda e matérias-primas de baixo impacto, como componentes de bases vegetais e reciclados, aliados a uma tecnologia inovadora que proporciona o máximo de conforto e estilo”, conta a head de Operações e Marketing da Alme, Isabella Barbieri.

Os calçados da Alme utilizam materiais biodegradáveis, reciclados e de fontes renováveis, como garrafas pet (originam os fios dos tecidos), cana-de-açúcar (base para o EVA verde utilizado nas palmilhas e solas dos sapatos), algodão reciclado (reaproveitado da indústria têxtil), além do adesivo à base d’água e sem solventes e papel certificado pela Forest Stewardship Council (FSC).

Para Isabella, existe um movimento perceptível nos últimos anos a respeito da importância da sustentabilidade. “Essas discussões foram muito impulsionadas pelos desafios socioambientais que enfrentamos atualmente. Isso se reflete na relação com o consumo e, neste cenário, produtos e marcas que adotam práticas mais sustentáveis se destacam”, comenta a head, que cita ainda uma pesquisa que mostra que 38% dos consumidores já trocaram sua marca favorita por outra devido a questões de sustentabilidade (McKinsey). “Minha percepção é de que os consumidores estão cada vez mais dispostos a buscar produtos que tenham um menor impacto ambiental, preferindo marcas comprometidas com a agenda ESG. Esse é um movimento importante, que fortalece a transformação para um mercado mais consciente”, acrescenta Isabella.

Além dos produtos sustentáveis, a Alme oferece, em suas lojas físicas, um serviço aos clientes para o descarte adequado de sapatos, o Alme Retorna. Por meio dele, os produtos podem se tornar matéria-prima para a indústria cimenteira, uma alternativa mais sustentável em relação ao combustível fóssil.

Vizzia: sustentabilidade competitiva

A PVC Indústria e Comércio, fabricante das sandálias e chinelos da marca Vizzia, também aposta no produto reciclado para ter mais competitividade. Diferente da maioria dos outros players, no entanto, é justamente o PVC reciclado, que é buscado em parceria com catadores de cooperativas locais na cidade de Juazeiro do Norte-CE, que deixa o preço das sandálias mais competitivo. “Processamos, anualmente, mais de 60 toneladas de PVC. Eles, após a moagem, são utilizados nas solas dos nossos produtos, sem perder em nada na qualidade e conforto para as sandálias produzidas a partir de matéria virgem”, conta o diretor da empresa, Wanderson Sampaio Gonçalves.

O empresário diz, ainda, que além de ajudar o meio ambiente com a reciclagem do material que iria para aterros, o processo torna o preço mais competitivo. “O custo fica em torno de 15% menor se comparado ao produto feito a partir de material virgem”, acrescenta Gonçalves.

Com uma produção diária de 14 mil pares de sandálias e 10 mil pares diários de solados de PVC, o grupo exporta cerca de 20% dos calçados desenvolvidos para países da América do Sul. “No mercado internacional, existe uma maior receptividade para o nosso produto, mas o mercado interno ainda valoriza pouco. Acredito que seja um processo de conscientização”, avalia o diretor. Com o mercado doméstico mais aquecido, o empresário projeta que, neste ano, sejam processadas mais de 90 toneladas de PVC, com um crescimento entre 5% e 10% na produção de sandálias e solados.

Além de utilizar o PVC reciclado nos seus calçados, o grupo utiliza polietileno reciclado de para-choques automotivos para desenvolver os cabides que acompanham suas sandálias. “É um processo menor, mas importante. Processamos, mensalmente, cerca de 2 toneladas desse plástico. Assim como o PVC, ele é comprado de cooperativas de reciclagem”, conclui Gonçalves.

Movimento crescente

Além das empresas ouvidas pela Abicalçados, muitas outras utilizam materiais reciclados ou biomateriais nas suas produções. É um movimento crescente no setor e que tem muita relação com a maior conscientização por parte do consumidor.

Grendene: pigmento de algas

Em parceria com a Bloom, empresa de materiais sustentáveis, a Grendene, de Farroupilha, aumentou o conteúdo renovável de produtos com algas de água doce que estavam se proliferando em excesso, causando desequilíbrios ambientais.

Pampili: Eco Friendly

A indústria de calçados infantis de Birigui-SP trabalha com o Projeto Eco Friendly. Trata-se de uma linha de produtos feitos com um percentual de material reciclado, aparas de contraforte, retalhos de solas, etc.

Piccadilly: Linha So.Si

A calçadista gaúcha produtora de sapatos femininos, que tem matriz em Igrejinha, criou um modelo de tênis 100% sustentável, fabricado com 3,5 garrafas pet recicladas, palmilha sustentável e sem origem animal, além de 17% de fio recuperado na indústria têxtil.

Vulcabras: Corre ECO

Produto da marca esportiva Olympikus, o Corre Eco foi desenvolvido por atletas de corrida com tecnologia 100% sustentável. O tênis possui cabedal produzido com pet reciclado, EVA verde (fabricado com cana-de-açúcar) e borracha especial extraída da seringueira. Já as tags dos produtos são desenvolvidas com folhas de manjericão, que podem ser plantadas pelos consumidores.

Tnin: palmilhas de cana-de-açúcar

Com lona feita a partir de resíduos têxteis e reciclagem de pet, jeans reciclado e algodão orgânico, a linha I’m green EVA é produzida com cana-de-açúcar – nas palmilhas -, cola à base de água e papelão reciclado nos materiais de embalagem.

Ferracini: insumos renováveis

A marca de Franca-SP tem uma coleção sustentável com calçados produzidos a partir de insumos renováveis, com cabedal de malha tridimensional knit reciclada, sem tingimento químico. Borracha natural, algodão biodegradável e renovável também fazem parte dos componentes utilizados.

Modare Ultraconforto: cabedal e solado

Cabedal produzido de poliéster reciclado, solado com PVC e casca de arroz são alguns dos materiais alternativos utilizados pela fabricante gaúcha Calçados Beira Rio, de Novo Hamburgo. A marca Modare Ultraconforto é uma das marcas da empresa que utiliza desse diferencial em seus produtos.

Eco Klin: coleção com menor impacto ambiental

Os pequenos também têm no Eco Klin opções com impacto ambiental menor já que a calçadista de Birigui utiliza materiais reaproveitados, tingimento natural, casca de arroz e fibra de bambu nos calçados infantis.

Ramarim: materiais e processos

A calçadista gaúcha tem uma linha de produtos com materiais e processos sustentáveis. Couraça e contraforte produzidos com sobras industriais com 80% de reaproveitamento. Já o forro é feito em PET 100% reciclado e o cabedal é fabricado a base de lona em PET 100% reciclada.

Kenner: novo destino para os resíduos

A marca lançou a coleção Re.Use em que produz calçados a partir de resíduos da produção que seriam descartados.

Foto: Divulgação | Fonte: Assessoria
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