O xadrez

Por Gabrielle Pacheco

Ter uma peça xadrez no guarda roupa equivale a um amigo fiel. Não é futilidade e nem leviandade, é uma constatação de autoconfiança. Tem momentos em que é necessário vestir uma roupa mais profissional e séria, mas para não ficar chato com aquela camisa lisa, você coloca uma camisa xadrez e pronto. Está profissional, sério e cool. É uma estampa que desafia os códigos de moda, caminha em qualquer ocasião, e cai bem em qualquer forma de corpo.

Apesar de sempre ter estado in, pensando de forma genérica, é possível associar o xadrez a algo do momento e da juventude. Mas na moda, as coisas são muito mais complexas e históricas. Uma roupa em uma passarela, não é simplesmente um pedaço de costura bonito que o designer criou e vestiu na modelo. Uma roupa tem que representar algo, ter contexto. É uma forma de comunicação e só existe comunicação se há um emissor, uma mensagem e um receptor. Se eu, designer/emissor, encaminhar através da roupa problemáticas sociais/mensagem, e você comprador e fã/receptor, entender a questão, comunicação realizada com sucesso. É eu dizendo algo relevante para você.

Aos poucos, as pessoas vão compreendendo que a moda não é futilidade e desfile de beleza, é uma empregadora maciça e uma forma de expressão artística e social. Esclarecendo essas questões, o xadrez representa pontos de conexão. Listras e cores diversas que se conversam e formam algo intrigante, faço uma correlação com a nossa sociedade. Pessoas e cores diversas que se conversam e formam algo intrigante = sociedade. Por isso faz sentido as pessoas se identificarem tanto com essa estampa. É diversa como a gente!

Essa conexão remonta há 700 a.C. A historiadora norte-americana Elizabeth Jane Wayland Barber, descobriu uma associação da estampa com os antigos celtas, um povo que viveu no Oeste da Europa reunidos em diversas tribos. As pesquisas arqueológicas realizadas através de escavações mostraram que vestimentas com padronagens têxteis, feitas com fios de lã e pigmentos à base de vegetais de pântanos foram encontrados, e se assemelham com o xadrez usado hoje.

(Foto: Reprodução / Representação do povo celta)

Mas só a partir do século XVII, na Escócia, que a estampa se difundiu. O tartã, lã com as estampas quadriculadas, foi símbolo de resistência e guerrilha do Levantes Jacobitas, uma série de batalhas que ocorreram entre 1688 e 1746 pela Escócia, Inglaterra e Irlanda a fim de restituir a Casa Stuart ao trono; Jacobitas se refere ao termo Jacobus, forma em latim do nome James. James II, da Casa Stuart, foi o último rei católico da Inglaterra, derrotado e deposto pelo nobre protestante William III na Batalha do Boyne em 1688. O neto do rei James, Carlos Stuart por sua vez, apesar de ser italiano, mas por ser descendente e ter uma uma grande simpatia pela Grã-Bretanha, montou um exército para reconquistar o trono perdido pelo avô, liderando os Jacobitas e assim, restaurar a dinastia Stuart.

A tentativa foi mais um fracasso para o currículo dos Jacobitas. O exército fora derrotado na batalha de Culloden pelo exército oposto de nove mil homens e Carlos teve de fugir para a França e depois para a Itália para não ser morto. No final dessa batalha, todas as esperanças do grupo foram destruídas e trazer os Stuart de volto ao trono, era impossível. Mas, apesar da perda, um item marcou a quase revolução. O casaco usado por Carlos durante todo esse processo, um tartã com gola e mangas de veludo clássico, causou uma revolução fashion.


(Foto: Reprodução / Imagens do casaco de tartã usado por Carlos Stuart no Levantes Jacobitas. A peça tem 272 anos e está exposta no Museu Nacional da Escócia, no centro de Edimburgo. No canto direito, retrato pintado de Stuart).

Depois da perda total dos Jacobitas e do exílio de Carlos, o rei baniu o uso do xadrez por quase 100 anos, o que rendeu um status cult, afinal, usar o que é proibido é muito mais interessante. O tartã só foi restabelecido tempos depois, após o romancista Sir Walter Scott recriar de forma romântica as batalhas do Levantes Jacobitas, os clãs e a essência cultural escocesa no livro “Waverley”. Scott era favorável a causa liderada por Carlos Stuart, apesar de saber que era uma rebelião que já nascia morta. A forma como o autor desenvolveu o romance histórico reacendeu a alma nacionalista, e a aristocracia inglesa em um ato irônico, passou a se apropriar da estampa novamente.

O ponto marcante para a liberação do tartã, segundo historiadores, foi a visita do rei George IV a Edimburgo, convidado por Walter Scott, na qual ele vestiu um kilt. Durante a viagem a capital da Escócia, foi pintado usando o traje nacional escocês, influenciando para o retorno da peça e cravando firmemente o xadrez na história.

 
(À esquerda e no centro, os atores escoceses Alan Cumming e Sean Connery usando kilt. À direita, retrato do rei Goerge IV em visita à Escócia | Foto: Reprodução)

Séculos passaram, a mitologia mesclada ao marketing gerou uma estampa atemporal e incrivelmente vendável.  Antes feito de lã à mão e nobre, hoje a máquina printa e populariza. O que também é interessante, pois democratiza a estampa europeia para todo o tipo de pessoa, idade e gênero.

O xadrez foi peça central em movimentos sonoros e sociais, como o movimento punk nos anos 1970 que utilizou de forma cômica, ridicularizando os costumes tradicionais e patriarcais da cultura inglesa. Nos anos 1990, o movimento grunge utiliza de forma desleixada e suja a estampa. As bandas de garagem com uma sonoridade bastante crua formada por jovens, fez o hard rock e as calças de couro da década anterior, repensar sua estética.

(Foto: Reprodução / A estampa xadrez nos anos 70′ usada de forma cômica pelos punks para ridicularizar os costumes britânicos.)

(Foto: Reprodução / A estampa nas peças em flanela.)

E essa é a importância do tartã, permear movimentos culturais diferentes, mantendo uma estética própria, mas plural. E aí, o que você tem de xadrez no armário? Vale mantinha, cachecol, casaco, camisa e cueca.

Texto: Matheus Martins / Fotos: Divulgação
Publicidade

Você também pode gostar