Cerca de meio milhão de brasileiros se afastaram do trabalho em 2024 por questões relacionadas à saúde mental, um aumento de 68% em relação ao ano anterior, de acordo com dados do Ministério da Previdência Social. Diante desse cenário, a professora de Psicologia da UniRitter, Susani Oliveira, está alertando para os riscos da banalização de diagnósticos de transtornos psicológicos e de desenvolvimento, fenômeno que tem se intensificado com a exposição do tema nas redes sociais.
De acordo com a docente, trivializar diagnósticos pode reforçar preconceitos, ampliar discriminações e dificultar a adesão a tratamentos. “Quando um transtorno é banalizado, perde-se a dimensão do seu impacto real na vida das pessoas e na sociedade, o que pode prejudicar a busca por tratamento adequado”, afirma Susani.
Redes sociais como gatilho
O aumento do debate sobre psicologia nas redes é visto como positivo pela especialista, mas exige cuidado. A professora explica que informações sem responsabilidade podem gerar distorções. “Hoje já não é mais pejorativo dizer que faz terapia ou que possui um transtorno psicológico. Essa mudança é um ganho. Porém, quando a informação circula sem responsabilidade, abre espaço para distorções”, destaca Susani, citando o exemplo de uma música que tratava do Transtorno de Personalidade Borderline e poderia levar a interpretações equivocadas.
Segundo a professora, a popularização de vídeos curtos levou muitas pessoas ao autodiagnóstico. “As redes sociais podem funcionar como um alerta, incentivando alguém a procurar ajuda. O problema é quando a pessoa se rotula a partir de um conteúdo superficial. Ser muito organizado, por exemplo, não significa ter Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). O que diferencia uma característica pessoal de um transtorno clínico é a intensidade, a duração e a frequência com que os sintomas aparecem”, pontua Susani.
Experiências compartilhadas
Para a professora, os relatos podem ser positivos quando acompanhados de orientações médicas ou de experiências pessoais comunicadas com responsabilidade. “É preciso estar ciente das consequências que acompanham as postagens. Quando o discurso é sensacionalista ou pejorativo, o impacto pode ser ainda mais estigmatizante, levando até mesmo pessoas diagnosticadas a resistirem ao tratamento”, ressalta a especialista.
Susani acrescenta que quando figuras públicas compartilham diagnósticos de forma consciente, isso pode inspirar acolhimento. “Quando alguém que admiramos compartilha seu diagnóstico, isso pode servir de inspiração e mostrar que é possível conviver com o transtorno e alcançar conquistas”, detalha a docente.
Informação com responsabilidade
Susani defende que informação sobre saúde mental deve ser acompanhada de práticas éticas e legais, tanto por parte dos usuários quanto das plataformas digitais. Na última semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) redefiniu a responsabilidade dessas empresas, exigindo a remoção de conteúdos ilícitos e ações proativas contra desinformação e discurso de ódio.
Autodiagnóstico e automedicação
Um levantamento do Datafolha em 2024 revelou que nove em cada dez brasileiros tomam medicamentos por conta própria. A especialista alerta para os riscos desse comportamento. “O impacto pode surgir de várias formas: automedicação, adoção de tratamentos inadequados ou até a piora do quadro clínico. Além disso, a pessoa pode começar a construir sua identidade com base em um rótulo equivocado, o que afeta diretamente sua autoestima e suas relações”, explica Susani.
O papel dos profissionais
Nesse contexto, a produção de conteúdo de qualidade por psicólogos e psiquiatras nas redes sociais é considerada fundamental. “É preciso equilíbrio. Falar sobre transtornos, sim, mas de forma responsável, sem banalizar e estigmatizar. Só assim conseguiremos transformar informação em acolhimento e, principalmente, em acesso a tratamentos adequados”, conclui a professora Susani.

