Criatividade é força do arquiteto para dobrar o algoritmo

Por Gabrielle Pacheco

Em meio ao que muitos vêm chamando de uma nova revolução no mundo do trabalho, arquitetos e urbanistas têm em mãos condições de “dobrar” o algoritmo imposto pelo trabalho digital. Compartimentando o conhecimento dos profissionais e valendo-se meramente das questões técnicas que envolvem o trabalho, essas sentenças matemáticas mecanizam atribuições e precarizam a atividade na medida em que impõem condições pré-estabelecidas ao profissional. Em resumo, é um sistema em que o trabalhador só tem valor e/ou remuneração quando está a postos para entregar o que o mercado quer, quando ele quer por meio das ferramentas que ele impõe.

Por meio da criatividade que envolve o fazer da arquitetura, a economista do Dieese Lúcia Garcia, acredita ser possível superar os desafios dessa transformação que ganhou força com a pandemia de Covid-19 e atingiu a todos, até aqueles que acreditam estar imunes à ela. “O algoritmo não alcança a criatividade. O que está em campo é um trabalho que não é passível de ser reproduzido”, admitiu ela durante live do Fórum Saergs no Mundo do Trabalho, realizada nesta terça-feira (20). “O átomo do trabalho digital é o trabalho subordinado ao algoritmo, uma sentença matemática que contém a descrição do trabalho e das atividades. Opções binárias para reproduzir o trabalho por conta de simplificação. O algoritmo rouba a inteligência do trabalhador”, sacramentou.

Cética quanto à capacidade de reação frente à força do capital, ela indica que a união da categoria é vital para a sobrevivência do movimento sindical e dos próprios trabalhadores em um país doutrinado para ter um trabalho básico, empregados subordinados e entregar suas riquezas naturais. O processo, explicou ela, está alicerçado na transformação de um tempo em que as carreiras contavam com uma certa previsibilidade, se tinha direito a adoecer, de perder o emprego e ter um seguro, de se aposentar e de dispor de relações democráticas no debate sobre as condições de atuação e remuneração.

Com o trabalho digital, a tecnologia torna-se fundamental, uma lógica que não tem essa previsibilidade porque está ligada a uma demanda instável. “O ter emprego e ter remuneração está mais associado ao responder no momento e ser remunerado pelo resultado. Antigamente, se pagava pelo tempo de esforço, pelo tempo do cafezinho e do descanso. Nessa nova realidade, o trabalho está colado na instabilidade na demanda”.

A economista frisou que, apesar de um “governo cambaleante”, o Brasil conseguiu frear o avanço dessa precarização por alguns anos. “O Brasil perdeu em cinco anos os direitos que outras nações levaram 25. Agora, as pessoas acham que vai passar, que lavou tá novo, que fizeram uma burrada, mas que vamos voltar atrás. Mas não vão”. Com a velocidade que os direitos vêm sendo perdidos, alertou Lúcia, em breve, o sistema previdenciário nacional deve ruir, ação estimulada pela própria desnutrição do mercado de trabalho nacional, fonte base de alimentação dos fundos que sustentam a aposentadoria.

Contundente, ela defende a união dos profissionais para encontrar uma realidade alternativa. “Vamos ter que pensar em uma nova sociedade com outros direitos”. Uma das opções, analisou a economista, é a chamada cooperativa de plataforma, um modelo alternativo à uberização onde os profissionais detenham em mãos o poder de negociação de seu trabalho. Um caminho, indicou ela, é incentivar o diálogo incluindo o movimento estudantil. “A juventude tem que entender o que está passando. Eles são nossos líderes. A tarefa não é fácil. A mudança é pouco percebida. Se você não tem uma luneta boa, vai levar uma ‘bochada’ logo em seguida”, ironizou.

O impacto do trabalho digital também vem sendo assunto dentro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RS (CAU/RS) desde o início da pandemia. Segundo o conselheiro Oritz Campos, a constatação, baseada em contatos recebidos de colegas, é que essa precarização já era realidade antes mesmo da chegada do coronavírus. “Muitos já estavam trabalhando em casa e usando o home office em função da precarização do trabalho”, citou durante o debate. O que ocorreu, alerta ele, foi que os contratos desapareceram, minguando o trabalho para arquitetos e urbanistas.

Apesar de as relações de trabalho serem parte das atuação dos sindicatos de Arquitetos e Urbanistas, Campos informou que o CAU dedica-se a garantir as atribuições em todas as esferas de atuação. Uma das ações nesse sentido é o plano de interiorização dos serviços do CAU que dialoga com as prefeituras municipais. Santa Maria e Pelotas já têm serviço instalado e, em breve, Caxias do Sul e Passo Fundo também terão. Campos ainda aproveitou a oportunidade para reforçar a pluralidade de atribuições exclusivas de arquitetos e urbanistas e traçou um paralelo sobre as linhas de ação das entidades que compõem o CEAU.

Conduzindo um debate que inovou nos conceitos e garantiu um fervilhar de ideias, a diretora do Saergs e mediadora da live, Denise Simões, conclamou os colegas e pensarem a Arquitetura e o Urbanismo como direito. “A gente não pode se afastar de compreender o momento que estamos. Precisamos fazer parte desse movimento, sermos protagonistas. Se é uma nova sociedade que está sendo construída, arquitetos e urbanistas precisam fazer parte disso”.

Foto: Divulgação | Fonte: Assessoria
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